À frente da Forasteiro Produções, Ernesto Andreghetto é responsável artístico e diretor de projetos filmográficos. Em mais de dez anos de carreira o diretor foi indicado ao Cannes pelo documentário Dona Morte, trabalhou com cinema, televisão, publicidade, videoarte e, mais recentemente, com vídeos pensados especialmente para a internet.
Com graduação e pós graduação na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Ernesto voltou à instituição como coordenador e professor logo após concluir o seu pós mestrado em antropologia da imagem pela Universidade Paris-Sorbonne.
Em novembro de 2016 o líder da Forasteiro concedeu uma entrevista para os alunos de jornalismo da FMU. Segue alguns trechos:
COMO COMEÇOU A SUA PAIXÃO PELO CINEMA?
Cedo demais e regado à drama, como deveria ser, eu acho. Minha mãe foi diagnosticada com câncer de mama quando eu tinha 5 anos de idade e o melhor jeito que meu pai encontrou para que eu não precisasse ir ao hospital toda hora ou ficasse perguntando onde ela estava era me levar ao cinema.
Lembro de 101 Dálmatas, Ratinho Detetive, A Lenda, Feitiço de Áquila e Labirinto. E em especial, na data da morte da minha mãe, fui levado por uma tia ao cinema em dois filmes para que eu não participasse do velório: o Retorno de Jedi e Krull em 1983. A partir daí tudo que mais me interessava era o cinema e tudo que vinha dele.
QUAL FOI SEU PRIMEIRO CONTATO COM O CINEMA PROFISSIONALMENTE?
Na minha época dos 15 a 17 anos eu era um rato de VCR, editava filmes com dois Vídeos Cassete, copiava filmes para ter um acervo de centenas de VHS dos filmes que gostava e já brincava de fazer filmes de luta com um amigo usando uma antiga câmera de VHS.
Conheci um cineasta chamado Peter (Washington Pires II) em uma mostra de cinema trash em um parque público, ele fez questão de conversar muito comigo sobre todas as minhas dúvidas. Ele fazia filmes em VHS, longa-metragens. Fiquei amigo dele e acabei participando como “ator” em dois filmes dele, Força X – A Missão e Caçadores das Trevas. Não é exatamente profissional, mas pra mim foi a primeira experiência que tive de produção.
Alguns anos depois produzi um curta metragem chamado Dona Morte, que seria minha primeira experiência com cinema de grande porte. Fomos indicados ao Cannes pela produção.
VOCÊ TEM UM ÍDOLO DO CINEMA NACIONAL E INTERNACIONAL?
Existem aqueles que eu me espelho, ou que gostaria de ter o nível. No Brasil meus preferidos são: o Andrucha, que tem trabalhos que eu assisto e penso “esse cara conhece realmente cinema e linguagem visual”, acho o que ele faz lindo, poético e muito pontual, como Casa de Areia, que seria meu melhor exemplo; Rogério Sganzerla, que tem toda a linguagem que hoje muita gente adora em trabalhos internacionais, a famosa montagem videoclipe, cujo melhor exemplo é O Bandido da Luz Vermelha, montagem intrigante que até hoje gosto de olhar e me inspirar com as trucagens.
No internacional eu não posso negar a admiração que tenho pelo Antonionni, que cada filme é uma aula de cinema e tudo que se refere a linguagem do audiovisual. Um dos caras que eu realmente pude chamar de ídolo é Kim Ki-duk, um cineasta Sul-Coreano que decidiu trabalhar com cinema com seus quase 40 anos de idade. Ele tem um tato artístico que eu acho indispensável para o audiovisual, o poder de dialogar somente com as imagens, sem a exposição escrita ou falada.
E nesse tom, não se tratando especificamente de cinema propriamente dito, mas videoarte, o americano Bill Viola sempre me influenciou, com uma narrativa visual com imagens de grande impacto.
EXISTE ALGUM FILME QUE TE MARCOU TANTO DO CINEMA ANTIGO COMO DO ATUAL?
Existem alguns, não um só. Mas sendo breve e fazendo justiça a quem citei como ídolo, L´Eclisse do Antonionni foi marcante no cinema antigo. No atual eu poderia citar O Retorno de Jedi, que foi o filme que fez eu ficar fascinado, com meus 6 anos de idade, de como aquilo era possível!
NA SUA OPINIÃO, O QUE O CINEMA NACIONAL CONTRIBUI PARA A CULTURA BRASILEIRA?
O cinema em todas as culturas, assim como qualquer arte, tem a função e a tendência de refletir o cenário atual, seja em tema e contexto ou em estrutura linguística, criando assim um veículo de comunicação que difunde o contexto histórico social dentro dessa cultura.
No Brasil não foi diferente, tivemos vários tipos de realizadores e formatos em diferentes épocas e fases cinematográficas. Assim como a pornô chanchada, a boca do lixo e toda produção audiovisual acabou refletindo momentos e pensamentos de realizadores que queriam e precisavam mostrar as obras dessa forma, criando formas específicas de criar cinema onde o reflexo da cultura Brasileira estava sendo exposto e destrinchado para a atingir os espectadores dessa forma.
Eu acredito que o cinema nacional ainda contribui, refletindo muito sobre como enxergamos essas obras, para o que é criado e como é criado para atingir um determinado público.
QUAL SUA VISÃO SOBRE O FUTURO DA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA?
O cinema é uma arte mutável por causa das ferramentas envolvidas. Eu acredito muito na individualização devido à evolução tecnológica.
Hoje para alguns não é uma utopia ter um cinema em casa. Televisores UHD (4k 3840×2160) ou mais e sistemas de home theater com até 7.1, serviços de streaming que inclusive já produzem conteúdo nesses formatos para exibição caseira com todo o glamour de uma produção cinematográfica fazem com que cada vez menos pessoas frequentem o cinema como opção de ver um filme em boa qualidade.
As grandes produções têm que tornar as experiências extremamente atrativas para que a ida ao cinema seja o mais interessante possível, o que explica o surgimento dos cinemas IMAX e todas as derivações com interações sensoriais.
Logo, minha previsão é simples: Contrariando Godard com sua discussão com Philip Dubois, o cinema clássico de formato simples não será mais apreciado nas salas de exibição, já que vamos ter a opção de ver em casa. Nas salas teremos exibições que cabem no contexto IMAX e todas as interações sensoriais que uma produção pode realizar, tornando válido o espetáculo e experiência.
Contudo, ainda teremos quem goste de desfrutar o cinema como experimento social, e acredito que essas salas que exibem filmes “normais” com projetores comuns serão como as galerias que exibem arte hoje em dia, apenas para apreciadores da sétima arte.